De pisistratus a Marcelo Rebelo de Sousa, o populismo expande-se…

Pisistratus (607 A.C – 528 B.C) é considerado pelos politólogos (os actuais demagogos oficializados e legitimados pela academia…) como o maior e primeiro demagogo populista na história Ocidental. (Dizem os rotos ao nú porque não te vestes tu…)

No currículo de  Pisistratus contam-se ter governado como tirano apoiado entusiasticamente pelas massas somente 3 vezes, ter-se tornado o líder do povo das terras altas (os rurais; pobres e excluídos daqueles tempos…), de ter orquestrado um golpe de estado fingindo ter sido atacado, exigindo posteriormente guarda costas, escolhendo-os das fileiras dos membros das terras altas e usando-os para entrar em Atenas e tornar-se tirano.

Após ter criado esta “startup” bélica revolucionária, e após já ter sido deposto também entrou de carruagem em Atenas com uma mulher alta vestida de deusa Athena.

Pisistratus notou que fingir-se um membro do povo e fazer gestos simbólicos e populares de identificação com o povo parecia dar resultado.

Em Portugal, pais prolífico na produção de demagogos, populistas e demais aves de arribação estes surgem em todas as cores e formatos e cheiram todos mal. Há mesmo uma industria local que já pediu certificação comunitária…

Recentemente, tem emergido um chamado Marcelo Rebelo de Sousa. Emergiu embora tenha estado a marinar ao longo de 3 decadas.

É o actual Presidente da República.

Está em funcionamento 24 horas por dia e localmente tem muito sucesso. Os conselheiros desta bateria humana mesclaram um arlequim com um sapo saltitante de nenúfar em nenúfar e adicionaram o software “picareta falante”. O resultado é um boomerang humano viajante incansável que nunca se cala nem debaixo de agua emitindo opiniões sobre tudo.

Retrospectivamente este retórico prolífico descobriu em inicio de carreira que ser filho de um ministro do Estado Novo (“Estado novo” é a expressão em português suave para não dizer a palavra “Ditadura” que era o que aquilo de facto era…) e obter as correspondentes facilidades (saltar o serviço militar obrigatório em tempo de guerra para ir fazer uma licenciatura em direito e posteriormente um mestrado…) não o impediam de se tentar identificar com ” o povo”.

Com estas vantagens e com o conhecimento das ter tornou-se professor de direito numa época em que eles eram rarefeitos e raros (a exclusividade monopolista de uma casta profissional seja ela qual for traz vantagens…) e posteriormente jurisconsulto ou seja, um dos mestres definidores do que é a interpretação da lei a ser seguida e do que não é.

Também tirou um curso em “multitarefas”. Foi jornalista, chefe de partido político, administrador de casas ducais (Irónico: um Presidente da República é adepto da instauração de um regime que é em tudo oposto à Democracia/República…).

Teve ainda tempo para ser amigo de banqueiros posteriormente acusados de corrupção e comentador televisivo de futebol, física quântica, hortofloricultura e mais 300 ou 1000 actividades comentando tudo e nada, sendo especializado em nada e comentando tudo.

200 milhões de euros (a preços actuais) é o preço para manter em funções este boomerang arlequim saltitante durante os próximos 10 anos.

As vozes da situação justificam retoricamente os gastos deste cargo com a frase: “a democracia tem custos”. De facto tem, mas existem custos democráticos justificados e custos democráticos injustificados e a existência deste cargo prova-o.

Esta auto nomeada nova “voz do povo” gasta 20 milhões de euros por ano em beijos ao vivo nas várias festas pelo país. (Velhos,novos,crianças, animais de estimação ninguém escapa impune…)

Gastrônomo e escanção amador oferece comida a sem-abrigo apenas no dia em que lá vai (nos outros dias não se sabe…), deglute ginginhas e bebidas regionais ou degusta bolos típicos e atípicos de uma qualquer terra saloia nas suas peregrinações. Nos intervalos vai  à bola, ao teatro, às greves, às manifestações bombardeando tudo o que se mexe com opiniões e afectos em pacote, por comprimidos, por injecção intravenosa.

É fútil tentar escapar.

Pisistratus, o inseminador original do  populismo, fazia campanha como herói triunfante, apesar de apenas ter lutado numa batalha, a conquista de Salamis.

Numa campanha eleitoral, Marcelo Rebelo de Sousa tomou banho no Tejo, e conduziu um táxi por Lisboa – tarefas bastantes mais perigosas que a participação na batalha de Salamis.

Armado com a confiança desses dois feitos, sozinho e desarmado, fala como se tivesse saneado as contas publicas, apagado os incêndios, imposto a democracia no mundo, convencido a Nasa a enviar uma missão a Marte, chacinado a fome em Africa e demais fantasias.

Este é um dos enormes problemas do cargo “Presidente da Republica”, cuja configuração constitucional está errada, é desnecessária, leva a que os ocupantes do cargo se pretendam substituir aos governos eleitos.

Tarefa que não lhes compete, nunca lhes competiu, nem lhes irá competir fazer.

No caso presente temos um ocupante do cargo viciado em se substituir aos governos eleitos.

Todas as gerações de demagogos populistas fingiram demonstrar sentir empatia para com os sofrimentos dos excluídos  da sociedade. Esta empatia falsificada e ensaiada visa obter o voto em eleições, pretende o aplauso canino dos seguidores subservientes, deseja a aclamação por unanimidade.

Estes redentores feitos de plástico colocam-se “ao lado do povo” e pretendem denunciar  os males infligidos pelas classes privilegiadas – sendo eles próprios membros de classe privilegiada.

Um populista apela à condescendência da população para construir uma aura. Onde existem problemas ele surge com a sua capa de super herói e denuncia os males. Com um sorriso, larga um palpite, manda um recado, despeja um pouco de veneno político, condiciona com uma pose, demonstra ser ” diferente” quando quebra o protocolo.

O mediano populista é um narciso que perdeu o espelho para onde olhava apaixonado por si próprio.

O povo simples (e simplista) e a elite corrupta (endogamia) são os campos de batalha decididos pelo demagogo, o tal que fala directamente com o povo – assim ele o julga. Fala nada dizendo.

Preocupado com fantasias de poder, mas inseguro, quer ser o funcionário modelo da empresa Portugal S.A. Sentido-se especial e uma dádiva divina ao país exige admiração de todos, que todos saibam quem é e a suas aparições flash tem como efeito fazer dele o centro das atenções.

Só substancia, nenhuma essência.

Exige admiração dos outros e sente “estar no seu direito” aproveitar-se dos outros para benefício próprio.

A solução é simples.

Não apoiar o populista e não votar nele.

Donald trump e Napoleão

DEVIL WITH WINGS -WALL PAPER

Negação: “Isto não pode estar a acontecer.”
Raiva: “Por que eu? Não é justo.”
Negociação: “Deixe-me viver apenas até ver os meus filhos crescerem.”
Depressão: “Estou tão triste. Porquê me hei-de preocupar com qualquer coisa?”
Aceitação: “Vai tudo ficar bem.”, “Eu não consigo lutar contra isto, é melhor preparar-me.”

Com  enumeração dos 5 estágios de luto, modelo kubler -ross, percebemos como estão a sofrer aqueles que apostaram cá em Portugal e nos EUA, na vitória de Hillary clinton nas recentes presidenciais americanas.

Esta cruel piada levada a cabo pelas circunstancias tem confundido e perturbado as mentes em Portugal, excepto os fieis adoradores da ideologia política/económica que Trump visa representar. Ou os novos cristãos renascidos, que passaram a adorar Trump 5 segundos após ter ganho…

A aquisição de espelhos de longo porte, destinados aos portadores dos 5 estágios de luto para uma longa auto contemplação servirá para fazer a necessária limpeza dos mitos em que vivem e da abstracção social e mental em que estão. Asserção válida para os membros da esquerda política (mais) e para os membros da direita política (menos)

O sentido de humor relacionado com este acontecimento chamado Trump abandonou o edifício e o assunto é serio.

O sistema social, político e económico oriundo dos EUA e aplicado em Portugal, como boa região periférica e vassalo que  é, produz cidadãos fáceis de controlar. Uma sociedade atomizada, crescentemente computorizada onde as mensagens entre pessoas são mediadas via comunicações electrónicas é a regra e no caso português, dada a nossa penúria económica geral, é o facebook como canal de distribuição do controlo social e da aplacação/direccionamento das fúrias das massas caso eles porventura venham a existir.

A elite de poder gosta do Facebook. Muitos dos serventuários (Minions) corrompem aqui.

A elite de poder gosta do Facebook. Muitos dos serventuários (Minions) corrompem aqui.

No  EUA, esta é a norma nos grandes centros urbanos, embora depois existam grupos autónomos de estilo tribal, separados da tecnologia, impermeáveis ás mensagens electrónicas devido ao seu estilo de vida adverso a essa forma de viver.

Em Portugal, menos, mas diferentes, grupos de população semi autónomas, e de tipo tribal, vivem nos interior do pais e nos subúrbios das grandes cidades, quase misturando-se numa fusão entre tribos rurais e lumpen proletariado despojado.

Estes grupos de tribos rurais e urbanas são menos controláveis e menos entendidas pelo sistema de controlo político. Lá e cá.

The Revolution is for Display Purposes Only

Tecnologias políticas de controlo nos cidadãos: nos EUA, os esquemas financeiros e os bancos, o sistema de saúde privado, o sistema de defesa e segurança semi publico e privado (também conhecido como complexo militar industrial), o sistema de prisões privatizadas, o sistema de ensino superior de custo superior a 100 mil dólares por ano, ou por 3 anos consoante é Ivy League ou universidade privada normal, são os exemplos.

Em Portugal, pobrezinhos e nada honrados tenta-se copiar esta lógica, mas falta escala, profundidade populacional, dinheiro e suficiente corrupção profissionalizada competente para que se produzam mais palhaços saídos das linhas de montagem destinadas à produção de cidadãos atomizados.

Nos EUA, Clinton representava os mediadores de interesses especiais e era a quinta essência do propagandismo. Cá também temos Clintons, basta olhar, mas tem menos qualidade em dimensão e volume, mas são proporcionalmente mais numerosos e imbecis.

No estados Unidos Bernie sanders era um obstáculo fraco e foi afastado pelas regras administrativas do sistema. O problema depois seria produzir um candidato a presidente demasiado fraco para ganhar a Clinton.

Trump, nesse sentido representa a anomalia técnica que abalou este sistema ( isto não exclui obviamente que o candidato seja detestável…)

Os que estão de luto chorando por Hilary Clinton , em demografia eleitoral e geografia eleitoral, agrupam-se nas grandes cidades dos EUA. (Em Portugal também)

Num cenário hipotético de guerra nuclear com a Rússia ( que Clinton e o departamento e estado americano forçaram implacavelmente…) os primeiros a morrer seriam precisamente estes votantes em Clinton agrupados em cidades. O conforto da abstracção por um lado e uma total ausência de auto preservação, por outro são a fome e a vontade de comer deste cenário.

A lógica deles é simples: quem votou em Trump é racista, estúpido, ignorante ,sexista, xenófobo, e todos os que votaram em Trump são isso.

Sendo certo que existem muitos, dizer que todos o são é um erro, e que, no caso português, a tribo da esquerda política insiste em cometer. A tribo da direita política, nas suas maiores facções ainda está a deliberar, excepto os neoliberais de pacotilha cá do sitio que exultam como porcos na pocilga a comer maçãs.

O complexo militar industrial americano controla mais as percepções dos citadinos norte americanos. Racionaliza como uma máquina e aplica analises custo – beneficio, para verificar onde consegue maior e melhor alcance. As decisões devem ser alocadas  aos sítios susceptíveis de melhor produzirem efeitos a quem controla.

HUBRIS - CEREBRO - HALTERES

 E agora surge o mesmo fenómeno generalizado junto de muitos habitantes do EUA (em Portugal é a geral indiferença de 99% da população…) que já sucedeu historicamente quando Napoleão abandonou o seu refugio na Ilha de Elba.

O “Le moniteur Universel”, ilustre periódico que cultivava o jornalismo de lixo (que actualmente se pode ver num infame diário português), e que faleceu em 30 de Junho de 1901 (abram-se garrafas de champanhe por mais uma folha de alface ter morrido…) noticiava assim a vinda de Napoleão.

  • O canibal deixou o seu covil. 9 de Março
  • O ogre corso acabou de desembarcar no Juan Gulf.  10 de Março
  • O tigre chegou ao Gap. 11 de Março.
  • O monstro dormiu em Grenoble 12 de Março.
  • O tirano atravessou Lion  – 13 de Março
  • O usurpador foi avistado a sessenta léguas da capital – 18 de Março.
  • Bonaparte avançou em passo de corrida, mas nunca entrará em Paris  – 19 de Março.
  • Amanha , Napoleão estará dentro das nossas fortificações – 20 de Março.
  • O imperador chegou a Fontainbleau  – 21 de Março.
  • Sua majestade Imperial e real entrou no seu palácio nas Tulherias ontem à noite acompanhado pelos seus mais fieis súbditos –  22 de Março

Em Portugal veremos isto acontecer (pela opinião publicada…e pelos “especialistas”consoante Trump faça o que se quer que faça).  A excepção a isto, desde já, são os fieis fanáticos neoliberais, mas mesmo eles próprios seguiram rapidamente a lógica aplicada pelo Le moniteur Universel a Napoleão.

Os americanos adoram um vencedor, mesmo que seja um traste. Os jornalistas e courtiers deste sistema irão fazer por isso. Trump o outsider será Trump a estrela.

Em Portugal estado vassalo insignificante passar-se-á a mesma coisa.

No sector político da tribo da direita política, a hipocrisia em relação a este senhor e as meias palavras oscilarão consoante o vento.

No sector político da tribo da esquerda política, há o desconforto das facções principais, com a repulsa virulenta dos subsectores mais esquerdizados.

No enclave, com os irmãos de Némesis escrever-se-á a verdade.

Imagine-se um hospital com práticas corruptas. Agradeça-se às elites

We must not, however, confuse the courtiers with the tyrants.

Chris Hedges, 18 Setembro de 2016

(1)

Num país imaginário, vagamente parecido com Portugal, imaginemos que uma corporação decide maximizar os seus lucros, ajudar a subverter o sistema político, social e económico do país juntamente com outras corporações “amigas” e com as mesmas ideias. Imagine-se que esta corporação detesta o país e apenas deseja parasitá-lo ganhando dinheiro com isso. Decide manobrar para influenciar os agentes políticos dos partidos políticos principais – em Portugal designam-se por “partidos do arco da governação” – para que estes permitam a exploração de sub sistemas de saúde e hospitais públicos em regime de concessão.

Qualquer pessoa percebe que nada disto acontece; é apenas um exercício de imaginação totalmente irreal e até fútil, mas imagine-se para benefício de leitura deste texto.

Imagine-se que o poder político, devidamente persuadido por favores a receber no futuro ou já no presente, favores intangíveis de aspecto virtual como o vento (sabemos que existe mas não o conseguimos ver; apenas sentir..) e decide confiar nos pressupostos que os responsáveis desta corporação apresentam para “gerir melhor” e aceitam entregar a concessão de unidades de saúde.

Imagine-se que a corporação tenta blindar a sua eventual saída extemporânea da concessão por falhas de serviço impedindo-a através de manobras de facto. Acorda com os responsáveis políticos adquiridos, comprados e a serem pagos que as eventuais queixas e reclamações sejam nulificadas administrativamente.

Os responsáveis políticos, ou já corrompidos, ou ainda distraídos apanham o transporte para a iniquidade. O objectivo da corporação é amansar e convencer os responsáveis políticos que tudo irá correr bem e que o prazo inicial da concessão seja prolongado no tempo até se tornar uma situação de facto.

Imagine-se que os doentes são colocados em perigo, mas que importa. Imagine-se que as queixas e reclamações são apenas vinculativas desde que feitas à autoridade administrativa oficialmente designada para tal  – a entidade reguladora da saúde.

Imagine-se que queixas verbais nos postos de atendimento do hospital gerido por esta empresa são aceites, mas tem efeito nulo. Imagine-se que reclamações escritas no livro de reclamações (o livro amarelo) são enviadas para o ministério da saúde, mas o tratamento das mesmas é apenas feito estatisticamente nulificando assim a reclamação.

Imagine-se que só a entidade oficialmente designada para tal (ERS), pode aceitar queixas e reclamações, mas no hospital ninguém informa os doentes que existe essa entidade, e como tal, essa entidade é quase invisível. Daí resultando um volume de queixas e reclamações ínfimo.

Imagine-se que posteriormente a esta situação estar colocada no terreno o argumentário de venda da solução “privada” de gestão do hospital como sendo a solução mais eficiente já pode ser feita pelos cortesãos de ligação  encarregues de aviar a propaganda sobre os decisores políticos, para que estes mantenham o “esquema” a funcionar.

Imagine-se um hospital público, gerido em moldes privados, com um bloqueio institucional organizado que impede os doentes de exercerem os seus legítimos direitos baseado numa regulamentação feita à medida para absorver e amortecer as queixas e reclamações impedindo-as de entrar no sistema.

Apenas existem para estatísticas externa, paralela, inutilizada, inútil.

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(2)

Imagine-se que os Invernos sucedem-se aos Invernos e as más praticas de gestão, atendimento dos doentes, sobre-facturação ao Estado, não tratamento e não resolução de problemas administrativos ou outros continuam.

Imagine-se que esta é a cultura do erro mascarada de eficácia e eficiência.

Imagine-se que os erros e o dolo sucedem-se, replicam-se e são da responsabilidade dos profissionais de saúde deste hospital imaginário.

O topo da linha é a classe médica.

Imagine-se que esta aceitou vender-se a troco de remunerações superiores à média. Aceitou fazer o papel de cortesão bem pago. Apesar do acordado, ainda é sujeita à tirania dos “fringe benefits”. Que são a cortesia paga pelos erros por negligencia, dolo , más práticas; e são “cobertos e protegidos” pela estrutura” superior da empresa/corporação.

Alia-se a ” eficiência” (o acto de tratar doentes mal e depressa) à defesa do espírito de equipa dos profissionais de saúde ( legitima-se pela omissão e pela protecção, os erros dos profissionais de saúde permitindo-lhes safarem-se de consequências dos mesmos ).

Qualquer pessoa percebe que nada disto acontece; é apenas um exercício de imaginação totalmente irreal e até fútil, mas imagine-se para benefício de leitura deste texto.

(3)

Imagine-se que para dançar o tango da corrupção são precisos dois e um acordo faustiano, seguido da adopção de comportamentos tácitos.

Imagine-se que os funcionários de topo ficam a saber que podem fazer “erros”, mas daí não advirá qualquer consequência a nível pessoal. A “corporação” irá tudo fazer para cobrir os erros (para não dar hipóteses a que o “regulador”/poder político reveja os termos da concessão) e irá criar incentivos internos para que os médicos de topo cumpram este acordo faustiano.

Imagine-se que, contudo, as falhas são tantas que o poder político decide não renovar a concessão da corporação privada.

Imagine-se que o poder político decide de novo colocar a gestão deste hospital na esfera publica e muda as regras.

Imagine-se que alguns dos procedimentos anteriores promovidos pela corporação continuam a ser feitas e praticadas tal qual eram antes feitas em regime de gestão privada.

Imagine-se que ficaram em herança para as equipas técnicas do hospital pelos bons serviços anteriormente prestados…à gestão privada que tanto os protegia nos seus erros e más práticas…

Imagine-se que ficaram ténias para trás…

Qualquer pessoa percebe que nada disto acontece; é apenas um exercício de imaginação totalmente irreal e até fútil, mas imagine-se para benefício de leitura deste texto.

(4)

Um doente é operado. Por culpa técnica exclusiva do responsável e da sua “equipa”, um doente fica com um osso fora do lugar uns meros 2 centímetros.

Coloca-se um placebo técnico.

Uma varinha de metal para ajustar os dois centímetros rebeldes; retira-se passado 3 semanas a varinha. A rebelião dos centímetros continua. A fase seguinte do diagnóstico técnico e altamente profissional é dizer ao doente que com a passagem do tempo tudo irá ao seu sítio.  Pelo meio, ténue e errática fisioterapia é feita; depois descontinuada.

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Imagine-se que passado 9 meses do ocorrido, nada voltou ao lugar,  os 2 centímetros fora do lugar continuam a ser dois centímetros fora do lugar, e o doente continua à espera de cirurgia para corrigir o problema inicial.

Imagine-se que o médico que o operou é um dos responsáveis pela área dentro do hospital e tem uma reputação ” técnica” de qualidade enorme, tanto que até dá para fazer erros de 2 centímetros.

Imagine-se que data de nova marcação de cirurgia não acontece.

Imagine-se que após conversa posterior é dito ao doente que “a minha equipa está a estudar o problema”.

Imagine-se que a solução será cortar o osso rebelde que tem dois centímetros rebeldes fora do lugar.

Imagine-se que existe um artigo do código civil português que diz:

ARTIGO 498º
(Prescrição)

1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

Imagine-se que o estudo técnico do problema desde doente irá demorar 3 anos.

Qualquer pessoa percebe que nada disto acontece; é apenas um exercício de imaginação totalmente irreal e até fútil, mas imagine-se para benefício de leitura deste texto.

Hell is empty and all the devils are here. William Shakespeare

Hell is empty and all the devils are here.
William Shakespeare

Como existem imbecis que não compreendem o que é escrito ou a remuneração que auferem depende de não entenderem o que é escrito, deve ser explicado que este texto recusa ser uma critica ao actual governo em funções no ano de 2016.

A biopolítica e a casta mercadora

Com o abandono da esfera política tradicional as tribos da direita e da esquerda criaram um perigoso vácuo de poder social e normativo. Claro que a natureza não aceita vazios e algo tratou de se infiltrar nos buracos que o poder tradicional abandonou. Os mercadores. Esta casta incentivou o abandono do Estado e promoveu o seu código de valores muito específico. Em vez de honra passámos a ter uma mentalidade “negocial e de resolução de conflitos”. Em vez de integração a todos os níveis na vida da polis passámos a ter pequenos grupos profissionais regidos por “profissionalismo” (termo nebuloso obedecendo a critérios definidos pelos próprios técnicos). Em vez de poder e responsabilidade pessoal passámos a ter uma massa amorfa governada por burocracias cada vez mais opressivas, que não assumem a sua natureza reguladora. Em vez de existir a possibilidade de realização dentro da pólis enquanto seres sociais e políticos passámos a ser encorajados a recorrer à “mindfulness”. Há que reconhecer o sucesso de uma casta que começou por ser ostracizada e colocada à margem das relações tradicionais de honra, que caracterizam qualquer corpo político saudável. Demorou 500 anos mas os mercadores não só aboliram todos os estigmas associados à sua actividade como substituíram totalmente a escala de valores por outra que não só lhes trás vantagens como os coloca numa posição proeminência. É neste quadro que surge a obsessão com a quantificação de tudo e todos – e como consequência, a atribuição de um valor numérico a cada ser humano. De facto, a pirâmide social nunca foi tão precisa como no mundo moderno, a possibilidade de atribuir um valor específico a cada pessoa torna clara a posição de cada ser humano na cadeia alimentar. Todos os dias nos é dito que somos mais livres, mas parece que afinal todos os dias acordamos mais presos às nossas circunstâncias materiais.

“si è morto il Doge, no la Signoria” – “O doge está morto, mas a Signoria está viva” – Ditado Veneziano

“si è morto il Doge, no la Signoria” – “O doge está morto, mas a Signoria está viva” – Ditado Veneziano

Olhando para os novos valores e comparando-os aos antigos torna-se mais fácil perceber o alcance da transformação que teve lugar. A noção tradicional de honra assenta sobre o valor individual da palavra do individuo, um compromisso que envolve a própria essência do ser, algo a que nos vinculamos de livre vontade – sabendo que não será necessariamente o caminho mais fácil. Isto era algo nocivo a uma casta, os mercadores, cujo poder assenta na não validade da palavra. Tudo é negociável e para qualquer potencial conflito existe sempre uma solução negociada que evita tensões. Traduzindo: não existe noção de certo e errado, bom e mau ou linhas intransponíveis, esses conceitos foram demonizados e são tratados como visões “maniqueístas” ultrapassadas. Existem acordos, celebrados por tempo definido, que dividem os espólios consoante a força ou fraqueza de cada uma das partes. A quebra do que é acordado é um dado adquirido nestas negociações porque pela natureza do mundo os equilíbrios de força entre as várias partes tendem a oscilar e, inevitavelmente, na ausência de homens e mulheres de honra as situações degeneram numa supremacia do mais forte. A moral mercadora é uma guerra eterna de todos contra todos em que ninguém pode acreditar em nada, a única coisa que conta é o crescimento do poder aquisitivo, por muita devastação pessoal e social que isso possa trazer.

“Não deves honrar mais os Homens que a Verdade” – Platão

“Não deves honrar mais os Homens que a Verdade” – Platão

Como Aristóteles afirmou o Homem é um animal político. Está-lhe na sua natureza querer ter um voto na forma como a sua comunidade política é gerida (seja através dos mecanismos de participação democrática massificada seja através de outros modelos). Numa visão holística isto traduz-se pela harmonização das várias componentes da vida do Homem. A sua visão do mundo é coerente com a sua forma de estar na sua vida pessoal que por sua vez é coerente com a sua visão política da comunidade – gerando um ciclo positivo de reforço de ideias e emoções. Para o mercador isto era algo intolerável. Pois colocava entraves sérios à mercantilização de todas as esferas da vida e acima de tudo à quantificação do indivíduo em si mesmo. Tinha que desaparecer. Usando as forças da tecnologia o mercador forçou toda uma civilização a reinventar-se de acordo com os novos valores. A pólis foi fracturada para nunca mais ser unida. Os cidadãos passavam agora a agrupar-se não por vivências e ideias quanto ao campo político, mas pela sua actividade comercial. É preciso entender a malícia com que isto foi feito. O ser humano foi despido de tudo o que era, foi-lhe sonegada uma pertença a uma comunidade física a favor de uma alocação a uma área de produção geográfica (fábrica, escritório… pois tem que ser “móvel e adaptável”). Foi-lhe negada a pertença a uma comunidade de ideias sendo o espectro político agora dividido entre duas tribos de saltimbancos que se iriam confrontar de forma teatral sem poderem afectar verdadeiramente o rumo das coisas. Foi-lhe tirado tudo o que preenchia a sua vida até só sobrar um factor: o seu valor produtivo. O seu trabalho e a sua vida formavam agora um todo indissociável onde se não se sabe onde o primeiro acaba e a segunda começa. A Pólis deixou de ser uma unidade para passar a ser uma federação de pequenos reinos bárbaros regidos por “códigos profissionais”, cada um cuidando apenas dos seus interesses específicos – selando assim o seu destino colectivo: a irrelevância face ao poder esmagador da casta organizadora do trabalho e finanças, os mercadores.

“Dehumanization, although a concrete historical fact, is not a given destiny but the result of an unjust order that engenders violence in the oppressors, which in turn dehumanizes the oppressed” - Paulo Freire

“Dehumanization, although a concrete historical fact, is not a given destiny but the result of an unjust order that engenders violence in the oppressors, which in turn dehumanizes the oppressed” – Paulo Freire

Conseguindo destruir tudo o que ancorava o Homem à vida cabia agora à casta vitoriosa criar novas formas de organização da vida. Mas deparava-se com um problema. Para arregimentar as pessoas de forma coerciva precisava de recorrer a modelos do passado – os mesmos que se tinham empenhado em destruir por representarem obstáculos ao seu aumento de poder e capital. Era um dilema. A solução encontrada foi engenhosa, após terem removido as ideias do debate político recriaram organizações de gestão da vida humana, viradas exclusivamente para o lado quantitativo e, de forma mais substancial, inteiramente desprovidas de carisma. Afinal de contas o modelo do mercador não assenta sobre carisma, a posse é a lei, e a possibilidade de existirem forças além da posse era uma ameaça desestabilizadora que simplesmente não iriam tolerar. É o nascimento da organização burocrática. Na ausência de honra criaram-se leis minuciosas e incompreensíveis para a maioria que está sujeita aos seus ditames. Na ausência de pertença criou-se uma esfera de trabalho que tudo ocupa e dita o posicionamento dos indivíduos. Na ausência de carisma cria-se obediência ao procedimento, à regra, ao detentor do cargo. Colocando as coisas em termos platónicos, a essência do ser humano fica submetida às formas. É neste espírito que nasce uma consciência cidadã falsificada e um espírito de participação cívico fictício – o mundo das manifestações sem perturbações ao trânsito e turismo, das greves sem quebra de produção, da petição online, etc.

The Revolution is for Display Purposes OnlyEste curto relato condensa séculos de preparação por parte da casta mercadora para assumir as rédeas dos destinos humanos mas deixa-nos com uma questão por responder. Foi um projecto de poder bem-sucedido? Atingiu o que se propôs. Desvitalizou o ser humano e reduziu-o a uma ferramenta. Isto é inegável. Mas então porque somos assaltados por este ambiente de crise permanente? Obviamente parte da resposta está no sistema comercial e financeiro que não só dita o destino da economia como os próprios “valores” da sociedade mercantilizada. Mas só isso não explica o medo que ainda se sente na casta suprema. Ao fim de muita experimentação social o mercador descobriu algo que o mantém acordado à noite. Algo que tenta esconder ao máximo das pessoas normais. Descobriu que o espírito humano pode ser reprimido e redirecionado, mas que essa manipulação eventualmente vai começar a fazer crescer uma tensão irresolúvel no seio de cada pessoa. Um anseio por algo mais. A sensação de vazio que não é apagada pela multiplicação frenética de actividade para ocupar os dias. A certeza absoluta no íntimo de cada um de nós que “algo está podre no reino da Dinamarca”. Tendo removido tudo o que nos tornava humanos e podia dar soluções a esta tensão acumulada o mercador está entre a espada e a parede. Se permite que a tensão se manifeste o poder da casta cai, mas se reprime ainda mais corre o risco que esta se manifeste de forma imprevisível. Não tendo nada a propor às pessoas (afinal elas já são tudo o que o mercador quis que fosse: números, objectos, ferramentas, substituíveis…) resta-lhe recorrer à biomoralidade. Usando o corpo como único ponto de referência quer usá-lo para substituir tudo o que foi destruído. O não comer de forma saudável deixa de ser considerado como um apetite sensual para ser visto como uma má escolha, que por sua vez vai criar um “mau” cidadão. A pressão no trabalho atinge níveis insuportáveis, mas a solução nunca está em alterar o modelo definido pela casta mercantil, mas sim em fazer os trabalhadores acreditarem que a culpa é sua. Não estão preparados, não sabem gerir o stress, não são proactivos, etc. Há problemas sociais graves por resolver, mas mais uma vez a culpa é do cidadão, que, segundo o mercador, sofre de estupidez crónica e não entende que esses problemas não se abordam com políticas estruturais, mas sim com apelos a uma responsabilidade individual (“se todos fizessem o que deviam não existiriam problemas”) – intencionalmente ignorando a impotência do cidadão em causar impacto seja no que for.

“When nations grow old the Arts grow cold And commerce settles on every tree” – William Blake

“When nations grow old the Arts grow cold
And commerce settles on every tree” – William Blake

O insucesso da tácita está mais que patente no aumento das tensões sociais e no histerismo cada vez mais ofensivo dos pregadores da biomoralidade (devidamente sancionada pela ciência para manter as unidades humanas produtivas mas politicamente inertes). Sucedem-se as modas das dietas, das meditações, do desporto compulsivo, dos alimentos orgânicos… e nada parece apaziguar as pessoas. Parece que esta competição levada ao extremo físico não consegue oferecer alternativas credíveis para sustentar uma sociedade. E, no entanto, a propaganda prossegue. Enquanto o ser humano não for restaurado a toda a sua dignidade o mal-estar continuará. Enquanto a pólis não voltar ao seu papel enquanto quadro de referência integradora nada poderá ser resolvido. O mercador, apesar de toda a sua astúcia, não conseguiu dissolver a essência humana.

"When there is no enemy within, the enemies outside cannot hurt you." - Winston Churchill

“When there is no enemy within, the enemies outside cannot hurt you.” – Winston Churchill

A casta dos mercadores aposta na continuação do isolamento individual para manter o seu poder, mas esquece-se que só está sozinho nesta noite escura quem não souber onde procurar ajuda. Todos temos a capacidade de nos voltarmos a ligar ao Real (por oposição ao mundo plástico das formas mercantis). É só querermos dar o primeiro passo.

NémesisAtravessamos a escuridão por estradas sombrias

A nossa vigília nunca terá fim

As ideias que mantemos vivas são imortais

O único verdadeiro lado que existe somos nós.