Do amor do dinheiro

O pobre comendador Berardo (apenas metaforicamente) vem a público (“no pun intended”) dar novas de uma horrível praga que assola a terra. Aparentemente os ricos estão a ser perseguidos. Segundo esta fonte fidedigna, haverá de facto uma horrível perseguição aos ricos neste país maldito que não reconhece o seu imenso valor social e imenso espírito caridoso. O empresário não é de meias palavras e ameaça mesmo seguir o conselho que o governo deu aos jovens desempregados licenciados e emigrar para paragens mais tolerantes para com os que padecem da infelicidade de serem pecuniariamente “pesados”. Só tenho três problemas com este raciocínio. Em primeiro lugar o comendador não é jovem, em segundo, que eu saiba, não é licenciado e, em terceiro, não está no fundo de desemprego. Tirando isso saúdo a comparação brilhante estabelecida por este visionário. Não haverá para aqui um Oskar Schindler para salvar esta gente das sevícias de que é vítima todos os dias nas melhores habitações, lojas e restaurantes que o mundo ocidental tem para oferecer?

Não sei se conseguiremos...

Não sei se conseguiremos…

É curioso que fale que alguém (não sabemos bem quem – “eles” à falta de melhor definição) que queira impor a visão que ser rico é pecado… eu, admitindo à partida que não pertenço a um corpo de investigação policial, penso ter uma leve ideia sobre quem pode ser o culpado, pois dei com um panfleto sedicioso que afirma a seguinte alarvidade “Mas os que querem ser ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína” (Timóteo 1:6:9). Será que uma colecção de arte privada avaliada em mais de 750 milhões de euros pode ser considerada uma “concupiscência louca e nociva”? Será que para evitar a perdição e ruína de que fala o texto o comendador sempre quis dividir o custo do “presente” com o resto dos portugueses?

Mas, os mesmos conspiradores anti-sociais, vão ainda mais longe…. “Porque o amor do dinheiro é raiz de toda a espécie de males…” (Timóteo 1:6:10). Não vão lá ver que não são mesmo fãs dos que amam a riqueza (sabem… os ricos…)!? Parece que se não é pecado anda lá perto. Estão descobertos os culpados. Parecem ser cerca de dois milénios de cultura cristã que até recentemente, apesar das suas muitas falhas, vícios e loucuras, ainda tinha mantido algum respeito pelo homem comum. As suas organizações podem estar, na sua maioria, moralmente falidas mas a mensagem parece que ainda tem ecos poderosos cá dentro. Talvez por grande parte dela apelar à nossa ética inata.

Não acontece muito mas há quem ainda tenha...

Não acontece muito mas há quem ainda tenha…

Caso não se queira travar batalhar contra tal “inimigo” o comendador e os restantes oprimidos poderão sempre emigrar (em primeira classe numa TAP já privada claro – isso do público é para perigosos dissidentes que lêem escritos judaicos de há 2000 anos). Em última análise a sua queixa é que pagam impostos pelo que qualquer resultado aceitável implicaria sempre não pagarem impostos. Nesse caso se de qualquer forma não pagam então não querem fazer parte do tecido social do país e devem realmente sair. E as suas empresas devem a partir desse momento ser tratadas como o que são, capital estrangeiro.

Em tempos idos

Houve alturas da minha vida em que me teria dado ao trabalho de criar uma grande contra-argumentação, de várias páginas provavelmente, contra a hipocrisia de se criar uma política de concentração de poder e riqueza na mão de uma elite económica ao mesmo tempo que se mantém um discurso próximo do populismo. Houve tempos desses. Actualmente já estou demasiado prevenido contra a inutilidade de tais esforços. O povo quer ouvir os comentadores do costume, impolutos por um intelecto próprio, a tentar espremer conteúdo de discursos que já de si nada tinham. Somo um povo ainda em grande medida “simples”. Gostamos de quem “fale bem”. Ou de forma menos simpática, como população, temos uma incapacidade crónica de distinguir entre forma e substância.

sistema js

Igualmente ilusória seria a militância fervorosa a favor de quem se diz oposição mas tudo partilha com esta visão elitista do mundo. Eles não são alternativa. Nunca foram. O regime foi construído por todos e não há espaço para dissensão. Os extremos saudosistas são para considerar apenas como uma fábula, ou seja, para efeitos de educação moral – para os que já não se lembram ou nunca conheceram o passado. Entre as muitas enormidades, loucuras e crimes que vão “propondo” (palavra simpática para quem só sabe gritar e agredir não é?) ficam os fantasmas de mil morticínios evitados pela feliz falta de coluna vertebral dos portugueses.

Assim sendo espero no meu enclave. Observar é tudo o que deve ser feito. Esperar que algumas pessoas se lembrem da dura realidade que só podemos contar uns com os outros. Que as elites serão a nossa morte. Que a “escolha” é apenas aparente. E que as regras só têm que ser estas porque esmagadoramente elas são mantidas pelo tal povo que se diz oprimido e agrilhoado.