Cumpra o seu dever – não vote

Aproxima-se o fim de mais uma fase do ciclo eleitoral, desta vez para eleger o que poderia ser descrito como o órgão do poder político menos eficiente em existência: o poder local. Agitam-se as bandeiras cansadas e gastas de tanto uso, dizem-se as mesmas trivialidades que um público indiferente espera ouvir – sendo que o objectivo não é convencer ninguém da sinceridade das intenções ou da seriedade dos planos (essa possibilidade não é sequer uma opção) mas apenas gerar menos hostilidade espontânea que o opositor – colam-se os cartazes com algumas caras conhecidas e outras tantas que nunca vimos na vida com slogans tão banais que nem passando por eles todos os dias os conseguimos fixar. O cerimonial prossegue, vazio de significados mas com alguma pompa, respeitado até á mais ínfima minucia legal ou tradicional não vá alguém dar pela falta de algo.

"Bureaucracy is a giant mechanism operated by pygmies."

“Bureaucracy is a giant mechanism operated by pygmies.”

Se num ano normal a maior deste ballet altamente coreografado, e sem audiência, passaria em grande parte desapercebido no ano 5 do apocalipse económico quase não figura de todo nem na mente dos funcionários dos partidos (com a excepção óbvia daqueles que esperam vir a ser eleitos). Se olharmos para a curta experiência democrática portuguesa é fácil reparar como passado menos de uma década da mudança de regime o bom funcionamento das instituições “democráticas” começou a ser, lenta mas de forma inexorável, redefinido de forma a que o sucesso seja medido pelo grau de desinteresse que gera (ou na gíria burocrática: “o normal funcionamento das instituições”). Tudo para nos proteger de populistas claro. Se há algo que causa de suores nocturnos ao burocratas que gerem o sistema partidário e económico é o “populismo”. Ou como Max weber lhe teria chamado, de forma mais correcta, a autoridade carismática. Horripila-os porque sabem que num campo em que não seja permitido usar as vantagens institucionais acumuladas e os contactos organizacionais nenhum deles existiria. Outro tipo de líder muito diferente emergiria e reconfiguraria todo o funcionamento do sistema e tal, obviamente, não deve ser permitido. Esta liderança está inteiramente “ligada à máquina” em todos os sentidos da expressão.

"We are afraid of the enormity of the possible."

“We are afraid of the enormity of the possible.”

Resta-nos a nós, cidadãos, a escolha estéril dos candidatos ligados à máquina. A amiba a, b ou c. A escolha é toda nossa. Quase que se ouvem os sinos a tocar de tanto êxtase que os portugueses sentem com tanta liberdade. Dado o jogo viciado proposto a melhor opção é como sempre abstermo-nos de participar. Quando nenhum resultado positivo pode emergir o melhor é não contribuir para nenhuma das alternativas igualmente más – quem escolhe ignorar este raciocínio esquece-se que apenas estará a cooperar (com boas ou más intenções) com algo que não deseja de verdade e que em nada ajudará o seu bem-estar.

"As societies grow decadent, the language grows decadent, too. Words are used to disguise, not to illuminate, action: you liberate a city by destroying it. Words are to confuse, so that at election time people will solemnly vote against their own interests."

“As societies grow decadent, the language grows decadent, too. Words are used to disguise, not to illuminate, action: you liberate a city by destroying it. Words are to confuse, so that at election time people will solemnly vote against their own interests.”

Mas para quem não vê nada de mal com o que se passa. Quem não sente nada de errado com a forma como toda uma sociedade é encurralada. Para quem acha que retirará benefícios com a continuidade: que estas palavras sejam ignoradas e o ritual prossiga.

Irmandade de Némesis 

20 thoughts on “Cumpra o seu dever – não vote

  1. …NÃO TEMOS GOVERNO…O QUE ESTÁ É ILEGÍTIMO E ILEGAL…UM BANDO DE GATUNOS !!! …PREPAREM-SE QUE NO DIA 30.09.2013, VÃO SER ANUNCIADOS MAIS ROUBOS, PRATICADOS POR ESTE FACÍNORA E CAPANGAS !!!REFORMADOS DESTE PAÍS, ABRAM OS OLHOS E COMO NÃO TEMOS QUEM NOS DEFENDA, DEVEMOS VOTAR SÓ EM QUEM NOS GARANTA, POR ESCRITO, DEVOLVER O QUE NOS FOI ROUBADO !!!VEJAM SÓ O QUE SE SOUBE HOJE, PELO CORREIO DA MANHÃ, SOBRE A PENSÃO DO “MANCHETE”…UMA VERGONHA, PORNOGRAFIA, ASQUEROSO…COMO MUITOS OUTROS QUE AINDA NÃO VIERAM Á TONA !!!PORQUE SERÁ QUE NÃO TÊM CORAGEM DE COLOCAR UM TECTO NAS PENSÕES…2.000 € / MENSAIS NO MÁXIMO ??? REFORMADOS…NÃO VOTEM NESTES GATUNOS !

    • Quer se goste ou não, pelas regras vigentes, a posição do governo e restantes partidos políticos é legítima mesmo que sejam de pouca utilidade ou de ética duvidosa. Se a qualidade é fraca ou as regras pouco adequadas a tal também não deve ser alheio fraco (ou nulo) envolvimento do eleitor ao longo de décadas.

      O facciosismo de defender com unhas e dentes o nosso sector mas ignorar quem não se enquadra nas nossas estreitas definições de classe, grupo profissional, etário, etc está destinado a falhar porque não encara de frente o problema essencial: a falta de respostas do regime para a sua própria população e a necessidade do eleitor se convencer que tem que começar a ser mais que isso. Terá que ser cidadão, entendendo que não pode delegar o seu poder e responsabilidade na escala e com a leviandade que tem feito nas últimas décadas.

      Ninguém tem respostas. Não haverá regeneração do sistema (não há espaço nem recursos para tal). Ninguém está interessado no homem comum. Ninguém virá ao auxílio. As pessoas precisam de começar a internalizar esta realidade.

      Não haverá uma solução, milagrosa ou não, que não provenha dos cidadãos.

  2. Concordo com a generalidade do que diz mas penso que a conclusao obvia nao deve ser “nao vote” mas sim: vote mas nao fique por ai no exercicio dos seus deveres enquanto cidadao. A ideia de que democracia significa escolher entre votar, nao votar e em quem votar e altamente simplista, redutora, uma ameaca para a democracia e normalmente defendida pelo poder politico e nao por quem se propoe ter um papel activo no reforco da democracia.

    • Pensamos que dado o regime que existe (sem qualquer capacidade de resposta, vontade de retomar contacto popular, burocratizado ao extremo, etc) a resposta quanto a votar é mesmo não. Não se deve ser parte de uma acção que se sabe só poder vir a produzir maus resultados. Não há justificação que salve um voto que se sabe à partida ser errado.

      Quanto ao resto estamos de acordo consigo, as pessoas devem desenvolver todos os esforços para não verem a sua presença cívica reduzida a um voto de popularidade entre candidatos pré-seleccionados por aparelhos partidários e interesses pouco claros. Devem-se tornar mais que eleitores cidadãos. É isso que defendemos. Só isso é que poderá trazer o tal reforço (na nossa opinião a palavra certa seria “criação”) de uma democracia genuína.

      Resumindo: seja activo, participativo e não vote!

    • Que escolha temos senão deixar de votar não é? A alternativa seria ser cúmplice com o que se passa, fechar os olhos ao que o regime se transformou e nos quer transformar a nós. Seja-se activo na sociedade mas não se vote em quem claramente não nos representa nem nunca representou.

  3. Não lhe parece perigoso o acto de não votar? Será que o estreitar das pontes entre uma concepção de sociedade e outra não pode por si só contribuir para cenários absolutamente impróprios?

    • Não particularmente. A divisão entre os dois modelos de sociedade estará sempre presente. Mas no caso de se votar (por razões que não consigo conceber fora do ganho pessoal de uma minoria) o cidadão concede, moralmente, que merece o que lhe está a acontecer. Votar é neste momento um automatismo que visa dar credibilidade a decisões que não emanam verdadeiramente do corpo de cidadãos. Deste perigo ninguém fala mas está presente e trouxe-nos até este ponto.

      Não sei que tipo de acordo poderia ser feito neste momento com um regime em falência (a vários níveis) em que não existe nada que não seja negociável, tudo tem um preço e nada é honrado. Há algo, alguma promessa ou acordo, em que pudéssemos alguma vez confiar? Não será este um cenário absolutamente impróprio?

      • “o cidadão concede, moralmente, que merece o que lhe está a acontecer. Votar é neste momento um automatismo que visa dar credibilidade a decisões que não emanam verdadeiramente do corpo de cidadãos”

        A consciência moral é a interpretação à luz de pressupostos, as motivações podem estar distantes das que o sistema preconiza e por isso não considero o voto uma inconsistência, concordo consigo quanto ao facto da sociedade que conhecemos ser irreformável, a necessidade de fractura é permanente e por me parecer óbvia esta necessidade há que salvaguardar o momento da transição, quando me referi a “cenários impróprios” não me estava a cingir aos aspectos menos tangíveis dos processos revolucionários.

      • Aceitamos que as motivações pessoais possam (psicologicamente) estar distantes das do sistema mas isso nada nos diz sobre a sua racionalidade ou sobre o facto de serem realmente desejáveis ou não (apenas ficamos a saber como as pessoas se sentem sobre o tema) – como afirmámos antes, em termos racionais o único motivo válido parece ser o ganho pessoal. Isto pode apontar para uma inconsistência interna ou para uma tentativa de autojustificação daquilo que sabemos que não deveríamos fazer.

        A existência de um momento de transição identificável com antecedência razoável pressupõe uma carga teórica enorme cuja base empírica seriamente duvidamos. Qualquer mudança profunda, revolucionária ou não, não parece possuir o carácter de previsibilidade que lhe parece estar a atribuir. Assim sendo assumimos a posição que o máximo que poderemos atingir ao respeitar normas que nos são “impostas” (pelo menos o voto não é obrigatório…) e colaborar (independentemente das motivações) com as tentativas de legitimação do regime parece ser aumentar o seu tempo de vida e não vemos isso como um fim desejável. Os cidadãos merecem algo melhor que um sistema agonizante.

  4. Em altura alguma me referi à possibilidade de se identificar um qualquer momento de transição. Onde fundamenta a percepção de que a suposta legitimação de um regime está relacionada com o tempo de vida do mesmo?

    • “…a necessidade de fractura é permanente e por me parecer óbvia esta necessidade há que salvaguardar o momento da transição…”
      Quem salvaguarda o momento de transição é porque tem uma ideia de quando ele será correcto? Senão estaríamos no campo do milenarismo.

      Simples observação dita que qualquer regime precisa de um mínimo de aprovação popular. A não ser que esteja disposto a recorrer à coacção, suborno, censura e ameaça numa base regular e numa escala maciça. À falta dela [legitimação] definha, perde credibilidade, torna-se mais frágil a elementos interiores e exteriores. Qualquer acção que seja vista como um acatar do sistema e suas regras (regras legais básicas não contam, a sua necessidade é civilizacional e não depende do tipo de regime) pode ser considerado de forma legítima como uma forma de prolongar a vida de algo condenado a prazo.

      • Salvaguardar o momento de transição nada diz sobre a data de ocorrência desse mesmo evento.

        “…qualquer regime precisa de um mínimo de aprovação popular”.

        Este foi exactamente o ponto dos meus anteriores comentários, como você próprio referiu, esta sua máxima só é factualmente verdadeira se não se tiver em conta um regime mais opressor e nada lhe garante que esse regime não possa ser uma realidade. Quero deixar claro que apoio efectivo ou percepção de apoio popular são duas situações absolutamente distintas. Ao contrário do que se costuma pensar uma eleição é um mecanismo incapaz de auscultar o apoio efectivo de uma população.

      • “…se não se tiver em conta um regime mais opressor e nada lhe garante que esse regime não possa ser uma realidade”
        De facto nada garante nem posso provar uma negativa. Mas lembremo-nos: pode vir a ser. Mas ainda não é. Trata-se de potencial. Se calhar não realizável. Lidam-se com os problemas (neste caso evitando a degeneração a esse ponto) como eles são não e não como poderiam ser, certo?

        “Ao contrário do que se costuma pensar uma eleição é um mecanismo incapaz de auscultar o apoio efectivo de uma população.”
        Aqui está o “pomo da discórdia” entre nós 🙂 na nossa opinião é mais relevante a possibilidade de tal ser usado como spin propagandístico de apoio ao regime (que será acreditado pela maioria) que qualquer ambiguidade interna que o eleitor possa ter no momento, que não é mesurável e mesmo que o fosse tal estatística não veria a luz do dia. O que sobra é o apoio (ou aparência de apoio se a outra hipótese ferir alguma susceptibilidade) ao que existe. Uma validação por muito renitente que seja não deixa de ser uma validação.

  5. Desculpe o interregno mas respondendo ao seu ultimo comentário não posso deixar de referir que o materializar de uma realidade é um interpretação individual e é exactamente por isso que lidamos com “os problemas como eles são e não como poderiam ser” .

    Ao priorizar a lógica das “possíveis leituras” não está de alguma forma a menorizar os ditos cidadãos? Como entende a diferenciação entre iguais?
    Uma validação renitente é uma validação, a questão proeminente é saber exactamente ao que se refere essa validação.

    • Não se preocupe com o interregno, não temos por hábito fechar os comentários passado pouco tempo. Só podemos continuar a discordar. O materializar de uma realidade pode afectar directamente uns e não outros mas não está sujeito a uma avaliação assim tão subjectiva – para exemplificar, ou tentar, um determinado grupo pode ser vítima de perseguição policial e outro não o ser mas não está em dúvida (e muitos menos sujeito a apreciação individual) a existência de tal perseguição por forças de repressão. Podem até existir defensores de tal perseguição (dada a natureza humana de associação natural ao poder por imoral que seja isso não surpreenderia) mas a sua existência não é um fenómeno de apreciação individual e subjectiva.

      Ao criar leituras (e dar-lhes prioridades diferentes) estamos a oferecer a nossa visão das coisas mas claro que as pessoas podem discordar (como poderia ser de outra forma?) – na nossa opinião estarão a ser optimistas em demasia. A questão de saber ao que se refere à validação (a tal interpretação interna ou diálogo individual que o eleitor pode estabelecer consigo próprio) é como já dissemos, na nossa visão, secundária à forma como ela é provável de ser interpretada e apresentada ao público em geral, neste caso do sistema em si (como vimos por exemplos nestas últimas eleições em que a constância da abstenção, apesar da subida de votos nulos e em branco, é interpretada como uma forma de estabilidade na crença no sistema).

      A parte da diferenciação entre iguais não parece clara ao que se refere em concreto, importar-se-ia de desenvolver?

      • Um facto só o é à luz de um contexto comum, o que está em causa não é um exercício de abstracção da minha parte, refiro-me objectivamente à impossibilidade de ver sem interpretar.

        Será que o conceito de cidadão tal como o entendemos se coaduna com o seguidismo que parece implícito na lógica dos “spins”?

        Não me imiscuí de desenvolver o tema “diferenciação entre iguais”, apenas não encontrei os termos certos para o fazer.

      • Acho impossível que a ideia de cidadão se coadune com o que existe. Não vejo como. A ideia de cidadania visa colocar o poder (e a responsabilidade…) sob o individuo enquanto a lógica do sistema visa manter essa aparência mas roubar-lhe todo o conteúdo – como manter a fachada de um prédio histórico.

  6. Penso que não me fiz entender…uma das motivações que indicou para o facto de não votar foi o spin erróneo que é gerado aquando da suposta legitimação do sistema, ou seja, está a assumir que os que ainda votam em consciência(o que quer que isto signifique) precisam de uma prova cabal(?!?!) para porem em causa esta organização da sociedade. A existência desta necessidade é por si só reveladora, há nesta forma de existir a não consciência de que um individuo é mais do que suficiente para pôr em causa todo um sistema.

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